Em decisão unânime, o Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou nesta quinta-feira (21) a condenação de um assaltante identificado por meio de informações extraídas de seu celular, mesmo sem autorização judicial para acesso ao aparelho. O caso, julgado no Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1042075, tem repercussão geral e pode impactar decisões similares em todo o país.
A discussão foi conduzida no Plenário da Corte sob relatoria do ministro Dias Toffoli, que votou pelo restabelecimento da condenação — posição acompanhada por todos os demais ministros.
Celular perdido na fuga levou à identificação
O caso ocorreu no Rio de Janeiro. Após assaltar uma mulher na saída de um banco, o criminoso deixou o celular cair durante a fuga. A polícia analisou o aparelho e, a partir da agenda e do histórico de chamadas, conseguiu identificá-lo. Ele foi condenado em primeira instância, mas o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) anulou a sentença, entendendo que o acesso ao conteúdo do telefone violou o direito ao sigilo das comunicações, já que não houve ordem judicial.
No STF, porém, a tese foi revertida.
Mudança de contexto legal pesou na decisão
Um dos fatores decisivos para o julgamento foi o momento em que a perícia foi feita. Segundo o ministro Cristiano Zanin, a análise do celular ocorreu antes da promulgação da Emenda Constitucional 115 e da aprovação do Marco Civil da Internet, que passaram a garantir expressamente a proteção de dados pessoais como direito fundamental.
Com isso, os ministros entenderam que, no caso concreto, não houve violação de um direito constitucional então vigente, o que viabilizou a validação da prova e a condenação.
Limites e preocupações
A Defensoria Pública do Rio de Janeiro, que atuou na defesa, alertou para os riscos de abusos em perícias feitas sem controle judicial. Segundo o órgão, a polícia teria acessado fotos de parentes do suspeito e expandido investigações indevidamente, sem que houvesse relação direta dessas pessoas com o crime. O argumento foi reforçado pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), que atuou como amicus curiae (terceiro interessado no processo).
Durante o julgamento, o presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, propôs uma tese de equilíbrio: que seja permitido o acesso a dados de celulares encontrados na cena do crime, mas restrito à identificação do autor, sem exploração irrestrita do conteúdo do aparelho.
Já os ministros Nunes Marques e Flávio Dino chamaram atenção para os riscos constitucionais: sem limites bem definidos, ações desse tipo podem ferir o direito à privacidade e à intimidade, protegidos pela Constituição.
Repercussão geral e futuro incerto
Como o recurso envolve tema de repercussão geral (Tema 977), o entendimento adotado pelo STF servirá de referência para todos os tribunais do país. No entanto, diante da complexidade do assunto, o relator propôs que a formulação da tese vinculante ocorra em outro momento. Por ora, o julgamento foi restrito ao caso concreto, mas abre caminho para um debate mais profundo sobre os limites da atuação policial frente à proteção dos dados pessoais.
Ainda não há data definida para a retomada dessa discussão no Plenário.
