Um projeto de lei apresentado na Câmara Legislativa do Distrito Federal quer proibir que indústrias e laticínios utilizem leite em pó e outros derivados lácteos importados na fabricação de produtos destinados ao consumo humano. A proposta, do deputado Martins Machado (Republicanos), impede a reconstituição e a reidratação de leite em pó estrangeiro para produção de leite fluido, queijos, iogurtes, bebidas lácteas e demais derivados. A exceção seria apenas para produtos importados já embalados para venda direta ao consumidor.
Na justificativa, o parlamentar afirma que o objetivo é proteger os produtores rurais do DF, que enfrentam forte concorrência de insumos estrangeiros vendidos a preços inferiores aos custos de produção locais. Segundo ele, a medida reforçaria a segurança alimentar, promoveria a rastreabilidade da matéria-prima e ajudaria a preservar uma cadeia produtiva que movimenta mais de R$ 92 milhões ao ano.
Advogado aponta risco de inconstitucionalidade
Para o advogado Carlos André de Araújo Cardoso, ouvido pela reportagem, a proposta deve enfrentar um obstáculo relevante: a sua provável inconstitucionalidade.
“Eu entendo que o projeto enfrentará um obstáculo significativo: a sua provável inconstitucionalidade. Isso porque a Constituição Federal determina que legislar sobre comércio exterior é competência privativa da União (art. 22, VIII). Portanto, ao tentar restringir o uso de um produto importado cuja entrada no país é legalmente permitida, a proposta apresentada no DF acaba interferindo em uma matéria que é exclusivamente federal”, avalia.
Ele explica que as regras gerais sobre produção e consumo também são definidas pela União, cabendo aos estados e ao Distrito Federal apenas suplementá-las — e nunca contrariá-las.
“As normas gerais sobre produção e consumo estão inseridas na competência legislativa concorrente (art. 24, V). Nesse modelo, cabe ao Distrito Federal apenas suplementar as regras estabelecidas pela União — nunca contrariá-las. E os tribunais já deixaram claro, em diversos precedentes, que estados e municípios não podem criar restrições que impactem a industrialização ou a comercialização de produtos de origem externa”, afirma.
O advogado acrescenta que a proposta cria uma barreira econômica que ultrapassa o interesse local.
“Na minha avaliação, esse projeto acaba criando uma barreira econômica que ultrapassa os interesses locais e alcança todo o mercado nacional, afetando a competitividade e violando o pacto federativo. Caso venha a ser aprovado, é muito provável que seja questionado judicialmente por meio de ações diretas de inconstitucionalidade”, conclui.
Lei recente no Paraná
A proposta foi inspirada em legislação semelhante aprovada no Paraná, estado que também alegou desequilíbrio no setor leiteiro por causa das importações.
Embora o Paraná tenha aprovado e sancionado uma legislação semelhante, a medida também enfrenta questionamentos no meio jurídico. A sanção da Lei nº 22.765/2025 não significa que ela esteja blindada de contestação. Juristas apontam que o texto paranaense toca nos mesmos pontos sensíveis do projeto apresentado no DF, especialmente por interferir em temas considerados de competência privativa da União, como comércio exterior e normas gerais de produção. Até o momento, a lei não foi levada ao Judiciário, mas a possibilidade de judicialização futura é considerada alta, já que decisões anteriores dos tribunais têm limitado a atuação de estados em matérias que impactam a industrialização e a circulação de produtos importados.
Produtores apoiam, indústria reage
Enquanto produtores rurais avaliam o PL como uma medida de proteção necessária, representantes da indústria tendem a apontar que a proibição pode elevar custos e impactar o preço de derivados acessíveis ao consumidor final. O projeto ainda será analisado pelas comissões permanentes antes de seguir para votação em plenário.
