Em um movimento inédito que reforça a proteção dos direitos das mulheres e crianças, a Advocacia-Geral da União (AGU) decidiu integrar formalmente a defesa de uma mãe brasileira em um processo de restituição internacional de menor, baseado na Convenção de Haia de 1980. A mulher é acusada pelo pai da criança, cidadão britânico, de reter o filho no Brasil sem autorização — o que, segundo ele, configura sequestro internacional.
A AGU passou a atuar no polo passivo do processo, ao lado da defesa da mãe, após a comprovação de que ela foi vítima de violência doméstica no relacionamento com o pai do menor. Esta é a primeira vez que a União adota tal posição em uma ação do tipo, consolidando uma nova fase institucional no tratamento de casos dessa natureza.
De acordo com os autos, o casal morava na Inglaterra com o filho de um ano e veio ao Brasil. Aqui, a mulher ingressou com ações de divórcio, guarda e pensão, alegando reiteradas agressões físicas e psicológicas. O pai, por sua vez, sustenta que a viagem foi temporária e acusa a mãe de reter ilegalmente a criança em território brasileiro.
No entanto, testemunhas confirmaram que a mudança para o Brasil foi decidida por ambos, com intenção de residência definitiva. A AGU também entendeu que as provas demonstram a existência de violência doméstica grave, tornando inviável a devolução da criança ao ambiente paterno, por representar risco físico e psíquico — condição prevista como exceção à repatriação na própria Convenção da Haia.
O juiz do caso aceitou o pedido da União e autorizou sua entrada como defensora da mãe. A ação ainda aguarda julgamento definitivo.
Segundo o advogado da União Ney Wagner Gonçalves Ribeiro Filho, coordenador nacional de assuntos internacionais da AGU, a decisão reforça o compromisso do Brasil com a proteção de seus cidadãos, especialmente os mais vulneráveis. “Trata-se de uma postura que afirma o direito brasileiro de aplicar tratados internacionais à luz dos seus princípios constitucionais”, afirmou.
A AGU sustenta que não é necessário exigir prova irrefutável da violência: a palavra da vítima, quando corroborada por elementos objetivos, é suficiente para reconhecer o risco. Essa posição já foi levada ao Supremo Tribunal Federal durante o julgamento da ADI 7686, que trata da compatibilidade da Convenção de Haia com os direitos constitucionais brasileiros.
A coordenadora-geral de Contencioso Judicial da Consultoria Jurídica do Ministério da Justiça, Andrea de La Rocque Ferreira, destaca que essa atuação está alinhada com a postura adotada pela União nas ações que tramitam no STF. “É uma medida que afirma a proteção das mulheres vítimas de violência e reforça o combate à opressão de gênero.”
O caso é um marco na atuação do Estado brasileiro no contexto de disputas internacionais sobre guarda de menores, e pode abrir caminho para novos entendimentos sobre a aplicação de tratados internacionais com base nos direitos humanos e na perspectiva de gênero.
Com informações da Assessoria Especial de Comunicação Social da AGU